quarta-feira, 27 de abril de 2011

Sobre a causa de Deus....



Seria Deus egoísta?
Suponho que sim. Partindo do pré-suposto que a causa de Deus é o amor e a verdade "como poderia Deus assumir a causa da verdade se ele mesmo não fosse a verdade?". Contudo, este não consegue fugir do seu próprio egoísmo e tudo o que se faz como causa do criador está diretamente ligado ao seu interesse "egoísta"...Estamos dentro de seu egoísmo estabelecendo uma relação pragmática.
A pergunta seria devemos assumir esta causa divina? 
Mesmo sabendo que a nossa causa particular e unica perdeu-se ao longo da história. Existe a dificuldade em transformar nossa causa tão "pequena" e "desprezível" em causa superior, por isso assumimos como ovelhas cegas causas divinas...Isso porque Deus nos fez a sua imagem e semelhança...









05 Whale & Wasp

O século XX: vista aérea/ Olhar panorâmico.(Eric Hobsbawm)



A Era dos Extremos:
O breve século XX
(1914-1991)
Eric Hobsbawm; tradução Marcos Santarrita; revisão técnica Maria Célia Paoli. – São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

   O séc. XX é considerado por este repleto de questões e impasses.
Para o autor, o séc. foi breve e extremado: sua historia e suas possibilidades edificaram-se sobre catástrofes, incertezas e crises, decompondo o construído e longo séc. XX.
  Anos 90, representam um mundo onde o passado e futuro parece estar seccionado do presente.
  Desafio em compreender e explicar a articulação entre a primeira Sarajevo e os quarenta anos de guerra mundial, crises econômicas e revoluções da primeira metade do séc., e a ultima Sarajevo, das guerras étnicas e separatistas, da precariedade dos sistemas políticos transnacionais e da reposição selvagem da desigualdade contemporânea.
   Divisão de três Eras – “da catástrofe” duas grandes guerras, pelas ondas de revolução global em que o sistema político e econômico da URSS e pela virulência da crise econômica de 1929. Fascismo e o descrédito das democracias liberais surgem como propostas.
   “Os anos dourados” 1950 e 1960, estabilização do capitalismo, responsável pela promoção de uma extraordinária expansão econômica e profundas transformações sociais.
   Entre 1970 e 1991 “desmoronamento” final, em que caem por terra os sistemas institucionais que previnem e limitam o barbarismo contemporâneo, dando lugar a brutalização da política e a irresponsabilidade teórica da ortodoxia econômica e abrindo as portas para um futuro incerto.

  • O século XX: vista aérea/ Olhar panorâmico.

    I. 28 de junho de 1992, o presidente Mitterrand, da França apareceu de forma súbita em Sarajevo, centro de uma guerra balcânica. Seu objetivo era lembrar á opinião publica mundial a gravidade da crise da Bósnia. 28 de junho era o aniversário do assassinato, em Sarajevo, em 1914, do arquiduque Francisco Ferdinando da Áustria-Hungria. Mas quase ninguém captou a alusão, exceto uns poucos historiadores profissionais e cidadãos muito idosos. A memória histórica já não estava viva.
A destruição do passado – ou melhor, dos mecanismos que vinculam nossa experiência pessoal á das gerações passadas – é um fenômeno mais característicos e lúgubres (triste) do final do séc. XX. Quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente continuo, sem qualquer relação com o passado publico da época em que vivem.
Para os historiadores da geração do autor o passado é indestrutível, não apenas por pertencer á geração em que ruas e logradouros públicos ainda tinham nomes de homens e acontecimento público, em que os tratados de paz ainda eram assinados e, portanto tinha de ser identificados e os memoriais de guerra lembravam acontecimentos passados, como também porque os acontecimentos públicos são parte da textura de suas vidas. Eles não são apenas marcos em suas vidas privadas, mas aquilo formou suas vidas, tanto privadas como públicas.
    Na medida em que nos habituamos a pensar na economia industrial em termos de opostos binários “capitalismo” e “socialismo” como alternativas mutuamente excludentes, uma identifica com economias organizadas com base no modelo da URSS, a outra com todo o restante. Agora já deve estar ficando evidente que essa oposição era uma construção arbitraria e em certa medida artificial que só pode ser entendida como parte de determinado contexto histórico.
   Mesmo o mundo que sobrevive ao fim da Revolução de Outubro é um mundo cujas as instituições e crenças foram moldadas pelos que pertenciam ao lado vencedor da segunda Guerra Mundial. Os que estavam do lado perdedor ou a ele se associavam não apenas ficaram em silencio ou foram silenciados como foram praticamente riscados da historia e da vida intelectual, investidos do papel de “o inimigo” no drama moral de Bem versus Mal. O autor levanta uma questão importante, a possibilidade de estar acontecendo o mesmo hoje com os perdedores da Guerra Fria, embora talvez não na mesma proporção, nem por tanto tempo.
     A principal tarefa do historiador não é julgar, mas compreender, mesmo o que temos mais dificuldade para compreender. O que dificulta a compreensão, no entanto, não são apenas nossas convicções apaixonadas, mas também a experiência histórica que as formou. As primeiras são fáceis de superar, pois não há verdade no conhecido e enganoso dito francês (Tudo compreender é tudo perdoar). Compreender a era nazista na historia alemã e enquadra-la em seu contexto histórico não é perdoar o genocídio. De toda forma não é provável que uma pessoa que tenha vivido este séc. extraordinário se abstenha de julgar. O difícil é compreender.

   II. Compreensão da P.G.M. ao colapso da URSS.
O roteiro deste livro - P.G, assinalou o colapso da civilização (ocidental) do séc. XIX.
   Civilização capitalista na economia, liberal na estrutura legal e constitucional; burguesa na imagem de sua classe hegemônica característica; exultante no avanço da ciência do conhecimento e da educação e também com o progresso material e moral; profundamente convencida da centralidade da Europa, berço das Revoluções da ciência, das artes, da política e da indústria e cuja economia prevalecera na maior do mundo, que seus soldados haviam conquistado e subjugado; uma Europa cujas populações haviam crescido até somar um treco da raça humana; cujos maiores Estados constituíam o sistema da política mundial.
     Toda a história do imperialismo moderno, tão firme e autoconfiante, não durara mais que o tempo de uma vida humana.
    Uma crise econômica mundial de profundidade sem precedentes pôs de joelhos até mesmo as economias capitalistas mais fortes; criação de uma economia mundial única/ capitalismo liberal do séc. XIX.
  Enquanto a economia balançava, as instituições da democracia liberal praticamente desapareceram entre 1917 e 1942; enquanto isso avançava o fascismo e seu corolário (conseqüências) de movimentos e regimes autoritários.
   De muitas maneiras, esse período de aliança capitalista-comunista contra o fascismo – sobretudo as décadas de 1930 e1940 – constituiu o ponto crítico da história do séc.XX e seu momento decisivo. De muitas maneiras, esse é um momento de paradoxo histórico nas relações entre capitalismo e comunismo, que na maior parte do séc. – com exceção do breve período anti-fascismo – ocuparam posições de antagonismo inconciliável.
    Umas das ironias deste estranho século é que o resultado mais duradouro da Revolução de                  Outubro cujo objetivo era a derrubada global do capitalismo foi salvar seu antagonista, tanto na guerra quanto na paz, fortalecendo-lhe i incentivo – o medo – para reformar-se após a S.G.M. e, ao estabelecer a popularidade do planejamento econômico, oferecendo-lhe alguns procedimentos para sua reforma.
    Como e porque o capitalismo, após a S.G.M, viu-se para a surpresa de todos, inclusive dele próprio, saltar para a Era de Ouro de 1947-73, algo sem precedentes e possivelmente anômalo(apresenta anomalia) ?
   Contudo, já podemos avaliar com muita confiança a escala e o impacto extraordinários da transformação econômica, social e cultural decorrente, a maior, mais rápida e mais fundamental da historia registrada. Vários aspectos dessa transformação. É provável que no terceiro milênio os historiadores do séc. XX situem o grande impacto do séc. na historia como sendo o desse espantoso período e de seus resultados. Porque as mudanças dele decorrentes para todo o planeta foram tão profundas quanto irreversíveis. E ainda estão ocorrendo. Os jornalistas e ensaístas filosóficos que detectam “o fim da historia” na queda do império soviético estavam errados.
   O argumento é melhor quando se afirma que o terceiro quartel do séc. assinalou o fim dos sete ou oito milênios da historia humana iniciados com a revolução da agricultura na Idade da pedra, quando mais não fosse porque ele encerrou a longa era em que a maioria esmagadora da raça humana vivia plantando alimentos e pastoreando rebanhos.
  Convém lembra que o impacto maior e mais duradouro dos regimes inspirados pela Revolução de Outubro foi a grande aceleração da modernização de paises agrários atrasados. Na verdade, nesse aspecto suas grandes realizações coincidiram com a Era de Ouro capitalista.
    A crise afetou as varias partes do mundo de maneiras e em graus diferentes, mas afetou a todas elas, fossem quais fossem suas configurações políticas, sociais e econômicas, porque pela primeira vez na historia a Era de Ouro criara uma economia mundial única, cada vez mais integrada e universal, operando em grande medida por sobre as fronteiras de Estado (“transnacionalmente”) e, portanto, também, cada vez mais, por sobre as barreiras da ideologia de Estado.
    Na década de 1980 e inicio da de 1990, o mundo capitalista viu-se novamente ás voltas com problemas da época do entre guerras que a Era de Ouro parecia ter eliminado: desemprego em massa, depressões cíclicas severas, contraposição cada vez mais espetacular de mendigos sem teto á luxo abundante, em meio a rendas limitadas de Estado e despesas ilimitadas de Estado.
  Esse colapso revelou a precariedade dos sistemas políticos internos apoiados essencialmente em tal estabilidade. As tensões das economias em dificuldade minaram os sistemas políticos das democracias liberais, parlamentares ou presidenciais, que desde a S.G.M. vinham funcionando tão bem nos paises capitalistas, assim como minaram todos os sistemas políticos vigentes no Terceiro Mundo. As próprias unidades básicas da política, os “Estados-nação” territoriais soberanos e independentes, inclusive os mais antigos e estáveis, viram-se esfacelados pelas forças de uma economia supranacional ou transnacional e pelas forças inflacionais de regiões – exigiram para si o status anacrônico e irreal de “Estados-nação” em miniatura.
    Michael Stürmer, conservador alemão disse que as crenças do Oriente e do Ocidente estavam em questão:
     Há um estranho paralelismo entre Ocidente e Oriente. No Oriente, a doutrina de Estado insistia em que a humanidade era dona de seu destino. Contudo, mesmo nós acreditávamos numa versão menos oficial e extrema do mesmo slogan: a humanidade estava para tornar-se dona de seus destinos. A pretensão de onipotência desapareceu absolutamente no Oriente, e só relativamente chez nous – mas os dois lados naufragaram.
Para o poeta T.S. Eliot, “é assim que o mundo acaba – não com uma explosão, mas com uma lamúria (lamento)”.
    III.  Por que então, o séc. Terminara não com uma comemoração desse progresso inigualado e maravilhoso, mas num estado de inquietação? Por que como mostram as epígrafes (titulo) deste capitulo, tantos cérebros pensantes o vêem em retrospecto sem satisfação, com certeza sem confiança no futuro?
   Visto que este séc. nos ensinou e continua a ensinar que os seres humanos podem aprender a viver nas condições mais brutalizadas e teoricamente intoleráveis, não é fácil apreender a extensão do regresso, por desgraça cada vez mais rápida, ao que nossos ancestrais do séc.XIX teriam chamado de padrões de barbarismos.
      No entanto não podemos comparar o mundo do final do Breve Século XX ao mundo de seu inicio, em termos da contabilidade histórica de “mais” e “menos”. Tratava-se de um mundo qualitativamente diferente em pelo menos três aspectos.
     Primeiro; deixado de ser eurocêntrico.
    Segundo, a globalização.
  Terceira transformação, e mais perturbadora, é a desintegração de velhos padrões de relacionamento social humano, e com ela, aliás, a quebra dos elos entre as gerações, quer dizer, entre o passado e o presente.
    Contudo Marx e os outros profetas da desintegração dos velhos valores e relações sociais tinham razão. O capitalismo era uma força revolucionaria permanente e contínua. Claro que ela acabaria por desintegrar mesmo as partes do passado pré-capitalista que antes achavam convenientes, ou até mesmo essências, pra seu próprio desenvolvimento: acabaria serrando pelo menos um dos galhos em que se sustentava. Isso vem acontecendo desde meados do séc. Sob o impacto da extraordinária explosão econômica da Era de Ouro e depois, com suas conseqüentes mudanças sociais e culturais – a mais profunda revolução na sociedade desde a Idade da Pedra -, o galho começou a estalar e partir-se. No fim deste séc., pela primeira vez, tornou-se possível ver como pode ser um mundo em que o passado, inclusive o passado no presente, perdeu seu papel, em que os velhos mapas e cartas que guiavam os seres humanos pela vida individual e coletiva não mais representam a paisagem na qual nos movemos, o mar em que navegamos. Em que não sabemos aonde nos leva, ou mesmo aonde deve levar-nos, nossa viagem.
     O velho séc. não acabou bem.
  

aoferecendo-lhe alguns procedimentos ade do planejamento economico salvar seu antagonista, tanto na guerra quanto na paz, forta



  


   



terça-feira, 26 de abril de 2011

Nada de Deus (Nothing of God)



 Quero deixar de lado o que me faz ser o mínimo, o reduzido.

As causas e as razões que disseminaram amigos de infância e que enterra sonhos utópicos...

A parte que cabe lutar é o nada;

nada de Deus,

criador e o nada...

Assim se fez o criador,

 quem criou,

sem  muletas dessa regra

...só posso me recriar a partir da vacuidade...





(Nothing of god)

  I leave aside what makes me the least.

The causes and reasons that they disseminated childhood friends ...

Your part is to fight is nothing;

nothing of God,

creator and nothing ...

He made the creator,

  who created,

without crutches this rule

... I can only recreate from the emptiness ...

Vazio (empty)














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Anarquismo: Arvore Genealógica (Woodcock, George)


Anarquismo


 Woodcock, George Historia das Idéias e Movimentos Anarquistas – v.1: A idéia: tradução de Júlia Tettamanzy. Porto Alegre:L&PM, 2007. 272 p.




Arvore Genealógica

O Anarquismo deve ser pensado de maneira paradoxal, como manifestação dos anseios naturais do ser humano.
Destacam-se dentro dos historiadores anarquistas nomes como kropotkin, Max Nettlau e Rudolf Rocker.
“O anarquismo – declarou Kropotkin – surgiu entre o povo e só conseguira preservar sua vitalidade e sua força criativa enquanto continuar sendo um movimento popular”.
Em seu livro “A Ciência Moderna e o Anarquismo” de Kropotkin nos fornece a seguinte idéia: “Há duas correntes de pensamentos e ação em conflito na sociedade”.
“Elas são de um lado, as tendências á “ajuda mutua” exemplificada pelos costumes tribais, pelas comunidades aldeãs pelas guildas medievais e, na verdade, por todas as instituições criadas e mantidas pelo espírito criativo das massas”; e, por outro lado, a corrente autoritária, que começa com os curandeiros, magos, bruxos, feiticeiros, oráculos e sacerdotes, ate chegar aos oficiais de registro e aos “chefes de bandas militares”.
Desconsidera a visão de que os camponeses da Inglaterra do séc.XIV e na Alemanha do séc.XVI eram revolucionários, suas exigências não passavam de reformistas.
A primeira apresentação literária de uma sociedade igualitária ideal, a Utopia, de Thomas Moro (1516), é governada por uma autoridade eleita por um sistema bastante complexo e impõe regra de comportamento individual extraordinariamente severa.
Engels resumiu essa situação de forma bastante clara na sua “As Guerras Camponesas na Alemanha”: “Proclamou-se a posse comum de todos os bens, as mesmas e universais obrigações de trabalho e a abolição de todas as formas de obrigação de trabalho e a abolição de todas as formas de autoridade. Mas na verdade, Mulhaüsen continuou sendo uma cidade imperial republicana com um senado eleito por sufrágio universal e sob o controle de um foro e um sistema improvisado para alimentar os pobres. As transformações sociais que tanto horrorizaram os protestantes da classe média da época jamais foram alem de uma tênue e inconsciente tentativa para estabelecer prematuramente a sociedade burguesa de um período anterior”.
O que o autor chama atenção é que carece a esses movimentos do ponto de vista anarquista, era o elemento de individualismo que teria contrabalançado seu igualitarismo. Aqui os historiadores anarquistas cometem um erro de pensar que a comunidade popular primitiva ou medieval baseadas na ajuda mútua é toscamente igualitária por natureza são também individualista.
Na Europa pós-medieval a tendência individualista surgiu entre as classes cultas das cidades italianas do Quattrocento: ela aparece sob a forma de um culto á personalidade sem qualquer relação com reforma social e resulta tanto no orgulho do ditador quanto no desejo do sábio humanista, por múltiplas satisfações, criando um novo interesse pelo homem como individuo e não como simples membro da ordem social.
Outro ponto que é dado ênfase e que no séc.XVII não eram os niveladores, mas um grupo efêmero, cuja forma de protesto social valeu-lhe o nome de “cavadores”.
Os cavadores, por outro lado, eram em sua maioria homens pobres, vítimas da recessão econômicas que se seguiu a Guerra Civil, e suas reivindicações tinham um cunho social e econômico. Acreditavam terem sido roubados por aqueles que continuavam ricos, não apenas de seus direitos políticos, mas ate mesmo do direito elementar aos meios de sobrevivência.
Esses cavadores criaram sua teoria em 1648 e passaram á ação em 1649. No primeiro panfleto de Winstaley “A verdade erguendo-se por sobre as nuvens”, estabeleceu-se a base filosófica do movimento, dando-lhe um cunho racionalista. Na visão de Winstaley, Deus não era outro senão “aquele espírito inteligível a razão”. “E onde habita a razão”? – pergunta ele. Ela esta em todas as criaturas, de acordo com sua natureza e essência, mas especialmente no homem. Por esse motivo, o homem é chamado de ser racional... “Este – numa interessante antecipação de Tolstoi – é o Reinado de Deus no Homem”.
“Permita que a razão governe o homem e ele não se atreverá transgredir contra seus semelhantes, mas fará a eles o que quer que lhe tenham feito. Pois a razão lhe diz que, se o vizinho está faminto e nu, é preciso alimentá-lo e vesti-lo, pois talvez isso aconteça contigo amanhã e então ele estará pronto a ajudar-te”.
Igualando Cristo á “liberdade universal”, ele começa com uma exposição sobre a natureza corruptora da autoridade – e aqui faz uma critica não apenas ao poder político, mas ao poder econômico do patrão sobre o empregado, do poder familiar do pai sobre o filho e do marido sobre a esposa.
“Todo aquele que tem autoridade nas mãos procede como um tirano; quantos maridos, pais, patrões, juizes portam-se como senhores, oprimindo que estão sob seu poder, sem saber que essas esposas, filhos, servos e súditos são seus semelhantes e tem os mesmos direitos a repartir as bênçãos da liberdade”.
Se a critica que Winstanley faz da sociedade, tal como a vê nesse momento crucial de sua carreira, acaba numa rejeição tipicamente libertaria, tanto da autoridade como da propaganda, sua visão do tipo de sociedade igualitária que gostaria de criar incorpora muitas características de uma sociedade ideal, tal como seria imaginada pelos anarquistas dois séculos mais tarde.
Winstaley antecipou toda a serie de filósofos libertários, ao condenar o castigo, afirmando que o crime é uma conseqüência da desigualdade social.
“Certamente é a propriedade individual e privada a responsável pela miséria do povo. Pois, primeiro ela faz com que com que as pessoas roubem uma das outras e, depois, cria leis para enforcar aqueles que roubam. Ela induz à pratica do mal e depois mata quem a praticou. Que todos julguem se esse não é realmente um grande mal!”.
Na verdade, não foi tão completamente esquecido que mesmo William Godwin, ao escrever a Historia do Commonwealth, não parece ter percebido o quanto a doutrina dos cavadores se parecia com aquela que ele próprio havia criado na sua Justiça política.
O comunismo de Winstaley é inteiramente libertário e o esforço dele e seus amigos para por em pratica esses princípios durante a experiência de St. George Hill coloca-o entre os precursores da tradição anarquista.
Paine – tal como Godwin – fala de governo como de um obstáculo “à inclinação natural pela vida em sociedade” e afirma: “Quanto mais perfeita a civilização, menos necessidade terá de um governo, porque mais capacidade terá para resolver seus próprios problemas e auto governar-se”.
Paine se aproximava bastante dos anarquistas em temperamento e idéias e só a sua falta de otimismo no futuro imediato o impediu de se tornar um deles.
Na revolução Francesa, por outro lado, o choque entre as duas tendências – libertaria e autoritária – era evidente e em certas ocasiões chegava a assumir formas violentas.
Condorcet, um dos cérebros mais fecundos da época, que acreditava no progresso infinito do homem rumo a uma liberdade de classes, já havia anunciado – enquanto se escondia dos jacobinos – a idéia de mutualité, que viria a ser um dos pilares do anarquismo de Proudhon. Condorcet concebeu o plano de criação de uma grande associação de “ajuda mutua”, que reuniria todos os operários para salva-los do perigo das crises econômicas, durante as quais eram normalmente obrigados a vender seu trabalho em troca de salários de fome.
O outro pilar do anarquismo Proudhoniano era o federalismo, objeto de muitas discussões e experiências durante a revolução. Mas é preciso buscar alem do mutualismo de Condorcet e do federalismo da Comuna para encontrar os verdadeiros proto-anarquistas da Revolução Francesa.
O movimento dos Enrages surgiu em 1793, correu com um baixo obstinado e rabugento durante os anos de terror. Tais como os cavadores da Guerra Civil inglesa, eles surgiram num período de recessão econômica, em grande parte como resposta ás dificuldades econômicas por que passavam os pobres de Lyon e Paris, mas também como uma forma de reagir ás distinções de classe que marcaram o crescente poder da classe media em ascensão.
Os Enragés não formavam um partido político, no sentido moderno do termo. Não tinham qualquer tipo de organização definida, nem uma orientação política única. Constituíam um grupo desagregado de revolucionários que tinham idéias semelhantes, cooperavam uns com os outros de forma rudimentar e que, no entanto, mantinham sua união por não aceitar as idéias dos jacobinos sobre a autoridade do Estado, defendendo a idéia de que o povo deve exercer ação direta e vendo nas medidas econômicas comunistas, mais do que na ação política, o caminho para acabar com o sofrimento dos pobres.
Jacques Roux, o mais célebre dos Enragés, era um dos sacerdotes da revolução, um padre da zona rural que, mesmo antes de chegar a Paris em 1790, já havia sido acusado de incitar os camponeses do seu distrito a queimar e pilhar os castelos dos proprietários que tentavam fazer valer seus direitos aos tributos senhoriais. “A terra pertence a todos”, teria dito aos seus paroquianos.
Desde o inicio Roux desempenhou papel ativo na vida revolucionaria de Paris. Freqüentava o Club des Cordelliers e em março de 1792 ocultou Marat em sua própria casa, fato que não o livraria mais tarde dos ataques de alguns auto proclamados “amigos do povo”. Concorreu sem sucesso como cadidato á Convenção e eventualmente tornou-se membro do Conselho Geral da Comuna.
Nele, deixava entrever pela primeira vez suas tendências anarquistas ao declarar: “A ditadura dos senadores é tão terrível quanto o cetro dos reis, pois acorrenta as pessoas sem que elas o percebam, brutalizando-as e subjugando-as através de leis que elas julgam ter criado”.
Durante o ano de 1793, o jovem orador revolucionário Jean Varlet uniu-se a Roux.
Jacques roux fez uma serie de discursos nos quais não apenas denunciava a estrutura de classes que a Revolução tinha mantido – “Que liberdade é essa em que uma classe de homens mata a outra de fome?” -, mas também sugeria que a lei protege a exploração, que prospera “à sua sombra”. E, como não confiava nos legisladores, exigiu que a condenação aos lucros excessivos fosse inserida na constituição, de tal maneira que ficasse protegida da ingerência dos governos.
Roux burlou a guilhotina suicidando-se de forma dolorosa. “Não me queixo do tribunal” – disse, antes de morrer. – Ele agiu de acordo com a lei. ”Mas eu agi de acordo com a minha liberdade. Morrer colocando a liberdade acima da lei é morrer como um anarquista.”
Depois que Robespierre caiu e que os Enragés se rejubilaram com a sua morte, Varlet testemunhou e tirania do Diretório que se seguiu e, na sua fúria, publicou o que devemos considerar como o primeiro manifesto anarquista da Europa Ocidental. Muito a propósito, chamava-se L`Explosion; a pagina de rosto trazia uma gravura mostrando uma nuvem de fumaça e labaredas de fogo que saiam de uma construção de estilo clássico e, sobre a gravura, lia-se a legenda: “Que acabem os governos revolucionários mas permaneçam os princípios”.
Analisando os anos da Revolução, disse Varlet:
“Que monstruosidade social! Que obra prima de maquiavelismo é na verdade esse governo. Para qualquer ser racional, Governo e Revolução são incompatíveis, a menos que o povo deseje criar órgãos que se coloquem permanentemente contra ele, o que seria por demais absurdo”.
No mesmo ano em que Varlet publicava sua L`Explosion, William Godwin editava na Inglaterra o primeiro grande tratado sobre os erros do governo, a Justiça política, e é realmente duvidoso que este pudesse ter sido concebida se a Revolução Francesa não tivesse acontecido naquele momento.



    






Soulsavers-04-ask The Dust

História Cultural...(O grande massacre de gatos)



O Grande Massacre de Gatos

(Robert Darnton)

Agradecimentos
       Este livro nasceu de um curso, História 406, que venho dando na Universidade de Princeton desde 1972. Inicialmente, o curso era apenas uma introdução à história das mentalidades, mas acabou por se transformar num seminário de história e antropologia, graças à influência de Clifford Geertz que, há seis anos, ministra-o comigo, e ao faze-lo, nem vem ensinando a maior parte do que sei sobre antropologia. Quero manifestar a ele, e aos nossos alunos, a minha gratidão. Também devo muito ao Instituto de Estudos Avançados de Princeton, onde comecei a escrever este livro, como participante de um programa em torno de autoconsciência e mudança histórica, financiado pela Fundação Andrew W. Mellon. E, finalmente, gostaria de agradecer à Fundação John D. e Catherine T. MacAthur, que  me concedeu uma bolsa cobiçada, possibilitando-me interromper meu trabalho normal para me empenhar – levando a termo – numa tarefa que deve ter parecido arriscada.
Apresentação
Este livro analisa as maneiras de pensar na França do século XVIII. Tenta mostrar não apenas o que as pessoas pensavam, mas como pensavam – como interpretavam o mundo, conferiam-lhe significado e lhe infundiam emoção. Em vez de seguir a estrada principal da história intelectual, a pesquisa conduz para o território ainda inexplorado que é conhecido na França como história das mentalidades. Este gênero ainda não recebeu uma designação em inglês, mas poderia, simplesmente, ser chamado de história cultural; porque trata nossa própria civilização da mesma maneira como os antropólogos estudam as culturas exóticas. É História de tendências etnográfica.
A maioria das pessoas tende a pensar que a História Cultural aborda a cultura superior, a Cultura com C maiúsculo. A história da cultura com c minúsculo remonta a Burckhardt, se não a Heródoto; mas ainda é pouco familiar e cheia de surpresas. Então, o leitor pode querer uma palavra de explicação. Enquanto o historiador das idéias esboça a filiação do pensamento formal, de um filósofo para outro, o historiador etnográfico estuda a maneira como as pessoas comuns entendiam o mundo. Tenta descobrir sua cosmologia, mostrar como organizavam em seu comportamento. Não tenta transformar em filósofo o homem comum, mas ver como a vida comum exigia uma estratégia. Operando ao nível corriqueiro, as pessoas comuns aprendem a “se virar” – podem ser tão inteligentes, à sua maneira, quanto os filósofos. Mas em vez de tirarem conclusões lógicas, pensam com coisas, ou com qualquer material que sua cultura lhes ponha à disposição, como histórias ou cerimônias.
    Que coisas são boas para se pensar com elas? Claude Lévi-Strauss fez essa pergunta com relação aos totens e tatuagens da Amazônia, há vinte e cinco anos. Por que não tentar aplicá-la à França do século XVIII? Porque os franceses daquele século não podem ser entrevistados, responderá o cético: e , indo direto ao caso, ele acrescentará que os arquivos jamais podem servir de subtitutivos para o trabalho de campo. É verdade, mas os arquivos do Antigo Regime são excepcionalmente ricos e sempre é possível fazer perguntas novas ao material antigo. Além disso, não se deve imaginar que o antropólogo trabalhe facilmente com seu informante nativo. Ele também se depara com áreas de opacidade e silêncio, e tem de elucidar a interpretação que faz o nativo do pensamento dos outros nativos. A vegetação rasteira da mente pode ser tão impenetrável no campo quanto na biblioteca.
      Mas uma coisa parece clara a todos os que voltam do trabalho de campo: os outros povos são diferentes. Não pensam da maneira que pensamos. E, se queremos entendeder sua maneira de pensar, precisamos começar com a idéia de captar a diferença. Traduzindo em termos do ofício do historiador, isto talvez soe, simplesmente, como aquela familiar recomendação contra o anacronismo. Mas vale a pena repetir a afirmativa, porque nada é mais fácil do que deslizar para a confortável suposição de que os europeus pensavam e sentiam, há dois séculos, exatamente como fazemos agora – acrescentando-se as perucas e sapatos de madeira. Precisamos de ser constantemente alertados contra a falsa impressão de familiaridade com o passado, de recebermos doses de choque cultural.
     Não há melhor maneira, acredito, do que peregrinar pelos arquivos. È difícil ler-se uma carta do Antigo Regime sem deparar com surpresas – qualquer coisa, desde o constante pavor de dor de dente, que existia em toda parte, até a obsessão de entrançar esterco para exibir nos montes de adubo, que permaneceu confinada a certas aldeias. O que era sabedoria proverbial para nossos ancestrais permanece completamente opaco para nós. Abrindo quaisquer livros de provérbios do século XVIII, encontramos coisas como: “Quem é rancheiro, que assoe o nariz”. Quando não conseguimos entender um provérbio, uma piada, um ritual ou um poema, temos a certeza de que encontramos algo. Analisando o documento onde ele é mais opaco, talvez se consiga descobrir um sistema de significados estranho. O fio pode até conduzir a uma pitoresca e maravilhosa visão de mundo.
     Este livro tenta explorar essas visões de mundo pouco familiares. Seu procedimento é examinar as surpresas proporcionais por uma coleção improvável de textos: uma versão primitiva de “Chapeuzinho Vermelhos” (“Little Red Hiding Hood”), a narrativa de um massacre de gatos uma bizarra descrição de uma cidade, um curioso arquivo que mantinha um inspetor de polícia – documentos que não se pode considerar típicos do pensamento do século XVII, mas que fornecem maneiras de penetrar nele. A exposição começa com as expressões mais vagas e gerais da visão de mundo e se torna cada vez mais precisa. O capítulo 1 fornece uma exegese de folclore que era familiar a quase todos na França, mas especialmente pertinente aos camponeses. O capítulo 2 interpreta as tradições de um grupo de artesãos urbanos. Subindo na escala social, o capítulo 3mostra o que a vida urbana significava para o burguês provinciano. O cenário, em seguida, muda para Paris e para o mundo dos intelectuais – primeiro, como era visto pela polícia, que tinha sua própria maneira de enquadrar a realidade (capítulo 4), depois como era classificado epistemologicamente no texto-chave do Iluminismo, o Discours préliminaira da Encyclopédie (capítulo 5). O último capítulo mostra como a ruptura de Rousseau com os enciclopedistas abriu um novo caminho do pensamento e sentimento, que pode ser apreciado relendo-se Rousseau com a perspectiva de seus leitores.
      A noção de leitura está em todos os capítulos, porque se pode ler um ritual ou uma cidade, da mesma maneira como se pode ler um conto popular ou um texto filosófico. O método de exegese pode variar mas, em cada caso, a leitura é feita em busca do significado – o significado inscrito pelos contemporâneos no que quer sobreviva de sua visão de mundo. Tentei, portanto, ir fazendo a minha leitura do século XVIII e anexei textos às minhas interpretações, de maneira que meu próprio leitor possa interpretar esses textos e discordar de mim. Não espero ter a última palavra e não tenho a pretensão à totalidade. Este livro não fornece um inventário de idéias de todos os grupos sociais e regiões geográficas do Antigo Regime. Também que exista algo como o camponês típico ou um burguês representativo. Em vez de sair à sua cata, persegui a série de documentos que me parecia mais rica, seguindo os indícios que me davam e apressando o passo logo tropeçava numa surpresa. Desviar-se do caminho batido talvez não seja uma grande metodologia, mas cria a possibilidade de se apreciar alguns pontos de vista incomuns, que podem ser os mais reveladores. Não vejo por que a história cultural deva evitar o excêntrico, ou abraçar a média, porque não se pode calcular a média dos significados nem reduzir os símbolos ao seu mínimo denominado comum.
     A confisão de não-sistematização não implica que tudo na História Cultural porque qualquer coisa possa passar como antropologia. O método antropológico da História tem um rigor próprio, mesmo quando possa parecer, a um cienstista social tarimbado, suspeitosamente próximo da leitura. Começa com a premissa de que a expressão individual ocorre dentro de um idioma geral, de que aprendemos a classificar as sensações e a entender as coisas pensando dentro de uma estrutura fornecida por nossa cultura. Ao historiador, portanto, deveria ser possível descobrir a dimensão social do pensamento e extrair a significação de documentos, passando do texto ao contexto e voltando ao primeiro, até abrir caminho através de um universo mental estranho.
      Esse tipo de História Cultural pertence às ciências interpretativas. Pode parecer demasiado literário para ser classificada sob a marca registrada de ciência, no universo do idioma inglês, mas se ajusta muito bem à de sciences humaines, na França. Não é um gênero fácil e está destinado à imperfeição, mas não deveria ser inviável, mesmo em inglês. Todos nós, franceses e “anglo-saxões”, pedantes ou camponeses, operamos dentro de coações culturais, exatamente como todos partilhamos convenções de fala. Então, os historiadores deveriam ser capazes de perceber como as culturas formulam maneiras de pensar, mesmo no caso os grandes pensadores. Um poeta ou um filósofo pode levar a linguagem aos seus limites mas, a certa altura, vai se deparar-se com a estrutura externa da significação. Para além dela, jaz a loucura – o destino de Hölderlin e de Nietzsche. Mas, dentro dela, os grandes homens podem testar e deslocar as fronteiras da significação. Assim, deveria haver espaço para Diderot e Rousseau, num livro sobre mentalidades na França do século XVIII. Incluindo-os ao lado dos plebeus matadores de gatos, abandonei a diferenciação habitual entre cultura de elite e cultura popular, e tentei mostrar como os intelectuais e as pessoas comuns lidavam com o mesmo tipo de problema.
      Percebo que existem riscos, quando alguém se afasta dos métodos estabelecidos da História. Alguns argumentarão que os dados são demasiado vagos para permitir que se chegue, algum dia, a penetrar nas mentes de camponeses desaparecidos há dois séculos. Outros se ofenderão com a idéia de que se interprete um massacre de gatos com a mesma linha de pensamento com que se interpreta o Discours préliminaire da Encyclopédie, ou mesmo com o fato de se chegar a interpretá-lo. E um numero ainda maior de leitores reagirá contra a arbitrariedade de se selecionar alguns poucos documentos estranhos como vias de acesso ao pensamento do século XVIII, em vez de se proceder de maneira sistemática, através do cânone dos textos clássicos. Acho que existem resposta válidas para essas objeções num discurso sobre método. Em vez disso, gostaria de convidar o leitor a começar a palmilhar o meu texto. Talvez não fique convencida, mas espero que aprecie a jornada.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

De repente... (Por Carolina Cunha Pereira)

 

Coloquei uma Sertralina na boca para aliviar o amargo que me toma conta. Engoli a seco, seco como a realidade lá fora que insiste em me desfazer. Olhei para a cartela. Eram vinte mortes convidativas me chamando. Apreciei mais uma e mais uma. E me dei o luxo de tomar mais uma. Porque se posso abusar da droga da vida reificada, porque não posso me dar ao luxo de me deleitar em pílulas de felicidade? Tomei mais uma e mais uma até o estômago reclamar. Até sentir que algo em mim vive, pensa, e não apenas pulsa na freqüência da rotina. Olhei para o espelho. Não vi nada. Minha imagem era um borrão. Uma névoa escurecida pelos dias. E talvez fosse ilógico tentar me enxergar visto que perdi até mesmo a capacidade de me sentir. Toquei o vidro frio em um gesto solitário. Eu sou um coração partido no mundo. Eu sou um coração solitário no mundo. Talvez eu seja isso, um grande erro. Talvez eu seja o que nem sei. Eu só nasci para ser senão vida...Mas eu olho pela janela e só vejo luzes apagadas. Eu só vejo lares destruídos e mundos caindo ao som de engrenagens de fábricas. Eu só vejo corações partidos...mas no momento eu só quero saber para onde ir...quando as estrelas começarem a cair... 

Obsessão por realidade: Delírio do real? (por Carolina Cunha Pereira)



                                    “Embora seja pura loucura, há método nela...”
                               (fala do personagem Polônio em Hamlet, Shakespeare)

Quando algo atinge um espelho, em quantos pedaços ele irá quebrar? Qual é o estrago que vai causar?...E quando algo atinge sua mente, em quantas partes você é dividido? Em quantos cacos a realidade comum se quebra? Qual o tamanho do estrago na sua vida? Impossível dizer ao certo. Assim como um projétil atirado contra o espelho, a doença mental chega sem alarde e o impacto dela contra a realidade pré-estabelecida causa um grande prejuízo na vida e até mesmo na personalidade do portador. A realidade comum se fragmenta em diversos cosmos – um verdadeiro universo de realidadestornando o portador um estrangeiro no mundo. Porém, até onde a realidade comum – aquela tomada por base para o bom funcionamento social, moral e até mesmo ético – corresponde à verdade de fato?  Até onde a realidade comum é “real” e até onde ela se trata de um delírio do real? E o que definiria algo como real (ou seja, pertencente à realidade comum)? O caráter inconclusivo - e até mesmo inconstante - dessas perguntas evidencia quão frágeis são os critérios tomados para definir a sanidade da loucura.
Estabelecer uma realidade comum é uma medida necessária ao convívio em sociedade. Jamais haveria consenso e convívio se cada um de nós vivêssemos de acordo com as regras de nossos mundos particulares.  Essa medida é necessária também para estabelecer a moral. Se cada um vivesse de acordo com seus próprios costumes, seria impossível estabelecer uma sincronia que proporcionasse a vida em sociedade. O impasse, entretanto, acontece quando essa realidade estabelecida é utilizada como paradigma para a verdade: Fronteiras entre o real e o irreal são estabelecidas de modo autoritário, fazendo com que tudo aquilo que destoe do dito coerente seja inexistente e, portanto, irreal, alucinatório. Mais perigoso é o impasse quando a realidade estabelecida é tomada como um aforismo: Neste caso, a realidade pré-estabelecida é imposta autoritariamente com o peso de valores e costumes, de modo que os destoantes sejam excluídos dela através das atribuições psiquiátricas. Se considerarmos que a realidade pré-estabelecida não é nada democrática - ou seja, leva em conta apenas as crenças, costumes e conceitos de um grupo de pessoas que, coincidentemente, são aquelas que se encontram no poder-, percebemos o quanto o uso dessa ferramenta é perigoso. E percebemos o quanto é interessante – para essas pessoas principalmente- que seja construída uma verdadeira obsessão por essa tal realidade.
É o que acontece no filme De repente, no último verão de Joseph Makiewicz. O filme conta a história da sobrinha de uma rica e importante socialite – que conhece segredos sobre a homossexualidade do primo – que sofre o trauma de vê-lo ser assassinado monstruosamente. Com medo de que a moça revelasse o segredo do filho, a socialite a rotula de insana e deseja que seja feita uma lobotomia para que sua memória seja prejudicada e, assim, o segredo jamais seja revelado. O filme traz a metáfora de que, muitas vezes, o dito irreal não necessariamente é algo que não deve ser levado em conta. Ele pode ser apenas uma verdade inconveniente para os valores e costumes culturais, religiosos e sociais vigentes. Pode ser tapa na cara da ciência e sua auto-estima inabalável, que se mostra onipotente e conhecedora de tudo, do universo à molécula de DNA. Pode ser um tapa na cara da religião, que afirma saber os mistérios da vida e da morte e o que uma força maior espera e quer de nós. Pode ser um tapa na cara do sistema político e da mídia, que insistem em ordenar a maneira como devemos ser, pensar, nos vestir, nos comportar, comer, beber e nos relacionar... Apenas uma realidade que não interessa.
Além disso, o filme também retrata a construção do delírio do real a partir da obsessão pela realidade pré-estabelecida: A socialite, obcecada pelos valores e costumes estabelecidos para a época – ou seja, a realidade comum da época -  idealiza o filho de certa forma que não enxerga a realidade dos fatos e ignora completamente os defeitos dele, chegando a ignorar até mesmo o fato de ele ser homossexual. Com isso, a personagem vive em estado de delírio – talvez deliróide? – constante durante a trama e chega a acusar a sobrinha de insana por não aceitar uma realidade distoante da sua.
Por fim, eis o paradoxo: A realidade é algo muito inefável para ser padronizada e delimitada com palavras. Além disso, estereotipar a realidade significaria licenciar a irrealidade e, portanto, a loucura, uma vez que tudo o que não é condizente com ela é desconsiderado. E tomá-la como o paradigma da verdade é um meio falacioso de estabelecer ordem e poder. Realidade é ponto de vista. É visão de mundo. É traço personológico. O resto é irreal.  

domingo, 24 de abril de 2011

Pólo de resistência "Ditadura do relógio"



Ao meu ver esse pequeno panfleto do Woodcock é das provocações mais geniais que li...enfim:

 "Não há nada que diferencie tanto a sociedade ocidental de nossos dias das sociedades mais antigas da Europa e do Oriente do que o conceito de tempo. Tanto para os antigos gregos e chineses quanto para os nômades árabes ou para o peão mexicano de hoje, o tempo é representado pelos processos cíclicos da natureza, pela sucessão de dias e noites, pela passagem das estações. Os nômades e os fazendeiros costumavam medir - e ainda hoje o fazem - seu dia do amanhecer até o crepúsculo e os anos em termos de tempo de plantar e de colher, das folhas que caem e do gelo derretendo nos lagos e rios. O homem do campo trabalhava em harmonia com os elementos, como um artesão, durante tanto tempo quanto julgasse necessário. O tempo era visto como um processo natural de mudança e os homens não se preocupavam em medi-lo com exatidão. Por essa razão, civilizações que eram altamente desenvolvidas sob outros aspectos dispunham de meios bastante primitivos para medir o tempo: a ampulheta cheia que escorria, o relógio de sol inútil num dia sombrio, a vela ou lâmpada para onde o resto de óleo ou cera que permanecia sem queimar indicava as horas. Todos esses dispositivos forneciam medidas aproximadas de tempo e tornavam-se muitas vezes falhos pelas condições do clima ou pela inabilidade daqueles que os manipulavam. Em nenhum lugar do mundo antigo ou da Idade Média, havia mais do que uma pequeníssima minoria de homens que se preocupassem realmente em medir o tempo em termos de exatidão matemática.

O homem ocidental civilizado, entretanto, vive num mundo que gira de acordo com os símbolos mecânicos e matemáticos das horas marcadas pelo relógio. É ele que vai determinar seus movimentos e dificultar suas ações. O relógio transformou o tempo, transformando-o de um processo natural em uma mercadoria que pode ser comprada, vendida e medida como um sabonete ou um punhado de passas de uvas. E, pelo simples fato de que, se não houvesse um meio para marcar as horas com exatidão, o capitalismo industrial nunca poderia ter se desenvolvido, nem teria continuado a explorar os trabalhadores, o relógio representa um elemento de ditadura mecânica na vida do homem moderno, mais poderoso do que qualquer outro explorador isolado ou do que qualquer outra máquina.

(...) A princípio, esta nova atitude em relação ao tempo, este novo ritmo imposto à vida foi ordenado pelos patrões, senhores do relógio, e os pobres o recebiam a contragosto. E o escravo da fábrica reagia, nas horas de folga, vivendo na caótica irregularidade que caracterizava os cortiços encharcados de gim dos bairros pobres no início da era industrial do século XIX.

Os homens se refugiavam no mundo sem hora marcada da bebida ou do culto metodista. Mas aos poucos, a idéia de regularidade espalhou-se, chegando aos operários. A religião e a moral do séc. XIX desempenharam seu papel, ajudando a proclamar que "perder tempo" era um pecado. A introdução dos relógios, fabricados em massa a partir de 1850, difundiu a preocupação com o tempo entre aqueles que antes se haviam limitado a reagir ao estímulo do despertador ou à sirene da fábrica. Na igreja e na escola, nos escritórios e nas fábricas, a pontualidade passou a ser considerada como a maior das virtudes.

E desta dependência servil ao tempo marcado nos relógios, que se espalhou insidiosamente por todas as classes sociais no séc. XIX, surgiu a arregimentação desmoralizante que ainda hoje caracteriza a rotina das fábricas.

O homem que não conseguir ajustar-se deve enfrentar a desaprovação da sociedade e a ruína econômica - a menos que abandone tudo, passando a ser um dissidente para o qual o tempo deixa de ser importante. Refeições feitas às pressas, a disputa de todas as manhãs e de todas as tardes por um lugar nos trens e nos ônibus, a tensão de trabalhar obedecendo horários, tudo isso contribui, pelos distúrbios digestivos e nervosos que provoca, para arruinar a saúde e encurtar a vida dos homens.

Nem se poderia afirmar que a imposição financeira da regularidade de horários tenha contribuído a longo prazo para o aumento da eficiência. Na verdade, a qualidade do produto parece ter até diminuído, pois o empregador que vê o tempo como uma mercadoria pela qual tem de pagar obriga o operário a trabalhar numa velocidade tal que a produção forçosamente será de qualidade inferior. O critério passa a ser de quantidade e não de qualidade e já não há mais o prazer do trabalho pelo trabalho. O operário transforma-se, por sua vez, num especialista em "olhar o relógio", preocupado apenas em saber quando poderá escapar para gozar suas escassas e monótonas formas de lazer que a sociedade industrial lhe proporciona; onde ele, para "matar o tempo", programará tantas atividades mecânicas com tempo marcado, como ir ao cinema, ouvir rádio e ler jornais, quanto permitir o seu salário e o seu cansaço. Só quando se dispõe a viver em harmonia com sua fé ou com sua inteligência é que o homem sem dinheiro consegue deixar de ser um escravo do relógio."